Fazemos parte da família dos mamíferos e, portanto, a produção de leite é uma das principais características da nossa espécie. Mas então porque somos os únicos animais que continuam a consumir esse alimento durante toda a vida?

     O leite de qualquer animal que constitui nossa classe evolutiva, é efetivamente um super-alimento criado para ser a principal dieta de bebês, durante seu período inicial de desenvolvimento, quando o filhote ainda não pode digerir outros tipos de alimentos. O leite contém diversos micronutrientes essenciais para o seu crescimento como: proteínas, cálcio, potássio, vitamina-D, e claro a lactose (ou açúcar do leite).

     Nestes estágios iniciais de desenvolvimento os bebês produzem grandes quantidades de lactase (a enzima que digere a lactose), afinal essa é sua principal fonte de nutrientes, mas com o passar do tempo, em torno dos 7 a 8 anos, o corpo começa a diminuir a produção da lactase e ao chegar a fase adulta, estudos sugerem que quase 2/3 da população mundial deixam de produzir essa enzima^[1]. E sem a lactase para digerir lactose, o leite torna-se, basicamente tóxico.

     Mas então como o leite passou de um super-alimento raro que apenas bebês podiam apreciar para um produto tão essencial no mercado? A resposta é: FAZENDEIROS MUTANTES.

     Indícios apontam que no Oriente Médio a cerca de 11.000 anos atrás^[2], Pastores do Neolítico descobriram que podiam diminuir a quantidade de Lactose no leite animal, através da fermentação, e passaram a utiliza-lo transformando-os em queijos e iogurtes. A fermentação permitia que as bactérias consumissem a maior parte da lactose presente no leite, permitindo que produtos feitos à base de leite pudessem ser consumidos de maneira segura. Ainda assim, consumir o leite puro resultava em dores de estômago, mal estar e diarreias.

     Tudo mudou quando a 7.500 anos atrás na Europa Central uma mutação genética apareceu; o chamado “Alelo LP” também conhecido como Traço de Persistência da Lactase, que permitiu a aqueles que possuíssem esse gene mutante, que continuassem a produzir a enzima durante sua fase adulta. Esse traço se espalhou rapidamente pelo continente, principalmente nas áreas do norte onde nos meses do Inverno a comida era escassa, e além disto mais difícil de ser caçada ou colhida, fazendo do leite um aliado importante na sobrevivência dessas populações.

     A não muito tempo atrás, pessoas que possuíam intolerância à lactose eram estimuladas a não consumir leite. Entretanto, hoje, reconhece-se que as pessoas com dificuldade de digestão da lactose podem consumir de um copo a dois copos de leite por dia, quando ingeridos durante o dia junto as refeições, e também produtos derivados como os queijos, que contêm apenas pequenas quantidades de lactose. Estudos feitos durante os últimos 15 anos também têm demonstrado que iogurtes podem ser muito bem tolerados por pessoas com intolerância à lactose^[3], fator que é atribuído à presença de bactérias produtoras de ácido lático nesses produtos.

     Em produtos lácteos fermentados, a lactose é quebrada pelas bactérias produtoras de ácido lático. Como um exemplo, no iogurte natural, a concentração de lactose é reduzida em 1/3 se comparado ao leite (3,4 g/100 gramas), em queijos a lactose é completamente quebrada em glucose e galactose durante as primeiras 5 a 10 horas de maturação. Ambas são transformadas em ácido lático. Em um estudo feito pela Federal Dairy Research Station, em Liebefeld, Suíça com queijos semi-duros e em pasta foi constatado que quase toda a lactose contida foi degradada durante a produção. Em somente 6 das 62 amostras analisadas foi detectada lactose, e estas em baixas quantidades.

     Os produtos lácteos que mais possuem lactose são leite em pó, leite condensado, e queijos frescos não maturados. No geral, quanto mais gordura presente no leite menor é a proporção de lactose, uma vez que produtos desnatados acabam por concentrar ainda mais a proporção de lactose no meio^[4]. Uma boa solução para quem possui dificuldades de digerir o leite é reduzir seu consumo ou ingerir suplementos de lactase, que hoje são cada vez mais acessíveis. O que não é recomendado é cortar o leite e seus derivados totalmente da sua dieta, pois além de piorar sua intolerância, uma vez que o corpo tende a diminuir ainda mais a produção da enzima lactase se esta não está sendo utilizada regularmente, seu corpo pode sofrer com a perda dos diversos micronutrientes importantes presentes no leite, que segundo a OMS^[5] é o alimento mais completo e importante para a população geral devido a seus diversos benefícios nutricionais e baixo custo por ser uma alimento de base e fácil acesso especialmente para população mais carentes.

Referências:

[1] CASTRO, Joseph. Why do people drink milk? Live Science Journal: Future US Inc, 21 jun. 2013. Disponível em: https://www.livescience.com/37649-why-people-drink-milk-benefits.html. Acesso em: 16 set. 2021.

[2] CURRY, A. Archaeology: The milk revolution. Nature 500, 20–22 (2013), 31 July 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1038/500020a. Acesso em 16 set. 2021.

[3] SANTIN, Juliana. Intolerância à lactose e consumo de leite e derivados. MilkPoint: Rede Agripoint, 19 out. 2005. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/intolerancia-a-lactose-e-consumo-de-leite-e-derivados-parte-23-25963n.aspx. Acesso em: 16 set. 2021.

[4] BALDO, Luciane. Teor de lactose em produtos lácteos. Semlactose, 3 fev. 2008. Disponível em: https://semlactose.com/2008/02/03/teor-de-lactose-em-produtos-lacteos/. Acesso em: 16 set. 2021.

[5] VARELLA, Drauzio; CARVALHO, Paulo. Intolerância à lactose. [S. l.]: UOL Viva Bem, 26 abr. 2018. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/videos/entrevistas-em-video/intolerancia-a-lactose-paulo-carvalho/. Acesso em: 16 set. 2021.